“Edição é paixão pelo livro e paixão pela coisa intelectual”, eis o primeiro capítulo do livro “J. Guinsburg” da coleção “Editando o Editor”, que reúne relatos de importantes profissionais do campo editorial, como Ênio Silvera (Civilização Brasileira) e Jorge Zahar (Zahar), além do próprio J.Guinsburg (Editora Perspectiva). Esta relevante coleção foi publicada pela Editora COM-ARTE, e dirigida pela professora do curso de Editoração da USP, Jerusa Pires Ferreira.
Discutir editoração é uma questão aberta, sujeita a um diversificado conjunto de possibilidades. Escolhi uma definição que, a meu ver, sintetiza esse campo vasto de experiências: segundo Sônia Maria de Amorim e Vera Helena Farinas Tremel, autoras do livro em questão, “Editar pressupõe ação contínua, processo permanente. Desde a potencialidade de um texto, produto da vontade humana de comunicar, até sua corporificação numa base físico-documental, muitas ações reúnem, sobrepõem, complementam. Emerge, dái o editor”.
Ler o relato de J. Guinsburg em sua “aventura” de criar a Editora Perpectiva enche de utopias jovens aspirantes a editores. Segundo ele, assim como todo projeto humano é acompanhado de uma utopia a qual o instiga e o impulsiona a desenvolver, numa editora – enquanto iniciativa no campo cultural – essa ilusão é muito mais forte.
Para J.Guinsburg, a questão editorial não é apenas de ordem empresarial, e não pode ser entendido unicamente por vias mercadológicas. Há uma ligação direta entre o mundo intelectual, o mundo literário e o processo de editoração, daí é que sobrevém a tal paixão que deve inspirar o editor na hora de escolher quais textos devem ou deveriam ser publicados.
O que não é uma escolha tão simples assim, uma vez que há duas maneiras de se trabalhar que definem os perfis de editores. A primeira delas é aquela a favor do mercado, pelo menos ao que se supõe ser o mercado. E existe aquilo que se supõe ser contra o mercado. O editor pode trabalhar “na contra mão” por várias razões: por que acha que existe um público, ainda que seja pequeno, onde possa penetrar e atender necessidades de alguma ordem, ou porque tem um projeto contracultural, contra-ideológico, etc.
Quem trabalha “a favor” não corre rico algum e, segundo ele, não é propriamente um editor, é antes um publisher[1], que faz uma análise do mercado, realiza levantamentos econômicos e mercadológicos e, em função da demanda, lança. É pensarmos em função do lucro previsto; se um livro, ainda que seja bom, não tem mercado, não interessa sua publicação.
Quem joga “contra” corre riscos sempre. É realmente uma aposta publicar um livro, com todos os encargos pecuniários que este implica, quando este livro for para as livrarias e não ser vendido em uma quantidade razoável. Fazer esse tipo de proposta num país como o Brasil, com baixo índice de leitura, torna-se uma verdadeira aventura, e das mais perigosas.
A linha editorial da Perpectiva, desde sua fundação em 1965 e sob a direção de J.Guinsburg, tem trilhado este caminho. Nesta Editora, a pergunta básica para se publicar um livro deve ser esta: este livro merece ser lido, merece circulação? Ele reúne qualidades mínimas pelas quais vale à pena apostar?
Vejo em Guinsburg a utopia própria daquela geração, em que defender causas era o propósito de suas próprias vidas. Difícil apostar, nos dias atuais, em qualquer projeto que promova a diversidade de manifestações culturais em suas várias formas. Nesse caso, os meios de comunicação têm um papel fundamental: tornar conhecido e acessível a todos um produto cultural, que muitas vezes é restrito a pequenos círculos de intelectuais.
O livro precisa dessa ilusão, precisa desse impulso muitas vezes irracional para que um maior número de pessoas possam se deliciar na sua leitura, assim como nós, seus parcos amantes. Acho que o papel de uma editora deve beirar essa perspectiva, enquanto difusor cultural, devendo acreditar que “editar é mais uma arte que uma técnica”, nas palavras de Guinsburg.
* O livro já está esgotado na editora (o que eu tenho é uma humilde xerox), e também não há foto no google. Ainda há os outros volumes em www.edusp.com.br
[1] Termo altamente difundido nos EUA, referente ao profissional que publica não apenas livros, mas também revistas e jornais. (Graças às aulas do Mário!)
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